quinta-feira, 2 de maio de 2013

"Ninguém tem pena das pessoas felizes"


"Os Portugueses adoram ter angústias, inseguranças, dúvidas existenciais dilacerantes, porque é isso que funciona na nossa sociedade. As pessoas com problemas são sempre mais interessantes. Nós, os tontos, não temos interesse nenhum porque somos felizes. Somos felizes, somos tontaços, não podemos ter graça nem salvação. Muitos felizardos (a própria palavra tem um soar repelente, rimador de «javardo») vêem-se obrigados a fingir a dor que deveras não sentem, só para poderem «brincar» com os outros meninos. 
É assim. Chega um infeliz ao pé de nós e diz que não sabe se há-de ir beber uma cerveja ou matar-se. E pergunta, depois de ter feito o inventário das tristezas das últimas 24 horas: «E tu? Sempre bem disposto, não?». O que é que se pode responder? Apetece mentir e dizer que nos morreu uma avó, que nos atraiçoou uma namorada, que nos atropelaram a cadelinha ali na estrada de Sines. 
E, no entanto, as pessoas felizes também sofrem muito. Sofrem, sobretudo, de «culpa». Se elas estão felizes, rodeadas de pessoas tristes, é lógico que pensem que há ali qualquer coisa que não bate certo. As infelizes acusam sempre os felizes de terem a culpa. É como a polícia que vai à procura de quem roubou as jóias e chega à taberna e prende o meliante com ar mais bem disposto. Em Portugal, se alguém se mostra feliz é logo suspeito de tudo e mais alguma coisa. «Julgas que é por acaso que aquele marmanjo anda tão bem disposto?», diz o espertalhão para outro macambúzio. É normal andar muito em baixo, mas há gato se alguém andar nem que seja só um bocadinho «em cima». Pensam logo que é «em cima» de alguém. 

Ser feliz no meio de muita gente infeliz é como ser muito rico no meio de um bairro-de-lata. Só sabe bem a quem for perverso. 
Infelizmente, a felicidade não é contagiosa. A alegria, sim, e a boa disposição, talvez, mas a felicidade, jamais. Porque a felicidade não pode ser partilhada, não pode ser explicada, não tem propriamente razão. Não se pode rir em Portugal sem que pensem que se está a rir de alguém ou de qualquer coisa. Um sorriso que se sorria a uma pessoa desconhecida, só para desabafar, é imediatamente mal interpretado. Em Portugal, as pessoas felizes sofrem de ser confundidas com as pessoas contentes."

Miguel Esteves Cardoso, in 'Os Meus Problemas'

E novo livro de crónicas do MEC  chama-se "Como é linda a puta da vida" e segundo as palavras do próprio
"Este livro é a primeira coleção de crónicas publicadas pela Porto Editora e é aqui que tenho de deixar o meu apreço agradecimento e amizade pela minha editora de sempre, a Assírio & Alvim.
Aturaram-me durante 27 anos. Se eu conseguir induzir a Porto Editora no mesmo erro terei 84 anos quando chegar a hora difícil de me despedir dela. Qualquer casamento que dura 27 anos e que, apesar de acabar, não acaba mal ou a mal, pode considerar-se um casamento feliz."
Este livro não é o princípio de uma nova vida; Deus me livre. É a celebração de uma vida velha, cheia de novidades que envelhecem mais devagar do que eu."

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