sexta-feira, 19 de abril de 2013

Silêncio

Onde há crianças há barulho: falam alto, gritam, correm, saltam, pulam, há brinquedos a cair no chão, há um corropio de atividade. Isto é o normal cá por casa, que o diga o nosso vizinho, quando não os ouvimos é porque ou estão a preparar alguma ou estão a tentar apagar os vestígios da brincadeira/asneira que fizeram. Se era mais fácil tê-los o tempo todo entertidos, silenciosamente, com a televisão ou o computador? Claro que era mas não era a mesma coisa...a mais pequena não liga nenhuma à televisão e a primeira coisa que faz assim que os manos se sentam em frente à televisão é desligá-la, fá-lo várias vezes seguidas, até eles perceberem a mensagem: "Deixem-se disso, vamos mas é brincar". Com a nossa aliada mais pequena e com as brincadeiras entre os 3, não se vê muita televisão por estas bandas.

 "Esta geração de crianças é a primeira de uma série de coisas: é a primeira que tem à sua disposição 24 horas de programação televisiva variada, é a primeira que tem acesso em massa a computador, assim como ao telemóvel, e é a primeira que brinca mais com videojogos que com bola.
Ora isto dá a volta às nossas frágeis cabeças, tolda o nosso frágil entendimento. O facto de conseguirmos estar uma tarde inteira em casa com meia dúzia de crianças em plena paz e sossego, porque elas se distribuem entre a televisão, as consolas e o computador, é no mínimo estranho. Hoje já podemos ler um livro inteiro com os nossos filhos na mesma sala, podemos dormir até tarde que ninguém nos acorda com gritos e correrias e até podemos fazer ioga e meditação no quarto de brincar da nossa casa que ninguém nos incomoda.
É verdade que é estranho, se calhar nem sequer é muito normal ou saudável, mas é assim... E quem somos nós para contrariar a evolução dos tempos? Ninguém. Os quartos de brincar passaram a quartos de jogos e as lojas de informática são as actuais lojas de brinquedos. É a globalização, a evolução, a modernização, etc. A verdade é que já podemos descansar. Ao fim de milhares de anos, dormimos.
O resultado de tudo isto é que esta é a primeira geração de crianças, desde que o homem é homem, que não faz barulho. É um facto: as crianças já não fazem barulho. Nós, os pais de agora, tivemos a sorte de só o sermos agora. Podemos ser pais e ter sossego. Duas coisas que há poucos anos todos os cientistas achavam que seria impossível conseguirem conciliar-se. Pois nós conseguimos, nós alcançámos uma ambição de todos os pais desde a pré-história.
Já não há crianças excitadas, enérgicas, activas, barulhentas ou irrequietas. O "bicho carpinteiro" morreu no século xx, juntamente com os legos, a corda, brincar na rua, etc. (diz que Silicon Valley foi construído por cima de tudo isto).
A verdade é que qualquer adulto incomoda muito mais que uma criança. Os adultos, ao contrário das crianças, não conseguem estar seis horas a jogar videojogos, ir logo de seguida ver vídeos no YouTube e passar o resto do tempo que lhe resta até alguém se lembrar que ele existe a ver televisão. Os adultos ocupam espaço. Falam, mexem-se, interagem, querem ir a sítios, querem sair. Os adultos vêm televisão e pouco mais. E mesmo assim não conseguem estar calados enquanto assistem a um programa qualquer. Não, eles comentam o que estão a ver, dão sinais de vitalidade. Não respeitam o silêncio.
As crianças não. As crianças conseguem passar um dia inteiro em silêncio absoluto. Não se atrevem a sair dos jogos que estão a jogar ou da televisão que estão a ver. É uma questão de respeito: ou estão em casa ou estão dentro da televisão. Andar a entrar e sair é que não. E como é óbvio não pode haver conversas paralelas. O cérebro não dá para tudo. Até porque jogar ou ver televisão não é uma brincadeira qualquer como aquelas que existiam no nosso tempo (bolas, disse "nosso tempo"). Aquilo é mesmo a sério: aprende-se inglês e não há tempo para conviver. É preciso muita concentração. Dar chutos numa bola, correr ou saltar não são coisas tão evoluídas como um jogo de assassinos ou do campeonato europeu de futebol. E com estas coisas não se brinca, vive-se."
Inês Teotónio Pereira , ionline 

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