quarta-feira, 22 de julho de 2015

Uma entrevista muito interessante sobre educação, filhos, família...

Uma entrevista concedida pelo pediatra Mário Cordeiro, ao jornal i, dividida em três partes, onde aborda vários temas: a sua infância, família, percurso profissional e as diferenças que encontra em termos de doenças, nas crianças, nos pais e na educação, ao longo deste 30 anos de pediatria, na primeira parte. Temas como a necessidade e a importância que dá à humanização da medicina numa crítica aberta à postura de superioridade que muitos médicos cultivam na relação, muita vezes inexistente, entre médico e paciente podem ser lidas na segunda parte da entrevista. Na terceira parte da entrevista: as regras, a educação dos filhos e os seus projetos. 
Uma entrevista muito interessante em vários aspetos! Recomendo vivamente a leitura na íntegra, em baixo alguns excertos da entrevista.


"Em termos de doenças, que diferenças se nota mais nas crianças?
Não nos podemos esquecer que somos campeões na redução da mortalidade infantil. Houve uma diminuição do peso das doenças infecciosas e há mais situações crónicas, seja perturbações do desenvolvimento, cancro e as consequências de violência e acidentes. Mas há muito mais problemas de saúde mental, se calhar porque as pessoas ligam também mais a isso, mas não digo só esquizofrenias e neuroses. Há mais casos de crianças que se sentem infelizes, tristes, deprimidas.

Crianças de que idade?
Quatro e cinco. No fundo miúdos deprimidos por se sentirem mal nos seus ecossistemas, mal em casa, muito fechados. São quatro paredes sem casa, no carro, no consultório. E muitas vezes tudo plastificado, mesmo os afectos.

Falta de amor que gera falta de amor-próprio?
Sim. Creio que o nosso discurso de adultos não contribui muito para uma boa auto-estima.

Que idade tinha a criança mais nova que viu com uma depressão?
Já vi depressões em bebés. Um bebé que não seja objecto de afecto explícito corre esse risco. Agora, o ser humano tem uma boa resiliência desde que perceba o que se passou.

Mas como se trata uma criança com depressão?
Primeiro é preciso descobrir o que a deprime, o que a traumatizou, magoou. Isso nem sempre é fácil. E depois é tentar fazê-la ver o lado bom da vida, o que às vezes não é fácil pois é residual. 

Dizia que os adultos podem contribuir para esse fenómeno.
Sim, há duas coisas erradas que fazemos. Uma é criar a expectativa de uma vida maravilhosa que depois não se concretiza. Aquela pressão para ir para o quadro de honra, ter a camisa de marca. A outra coisa é precisamente o contrário, aquela atitude de “escusas de estar a esforçar-te para ser uma pessoa completa porque, das duas uma, ou vais ser um malandro ou a vítima do malandro.” É o que vemos no telejornal: a galeria de horrores em que se salta do malandro, para o assassino, o pedófilo, o ladrão, o corrupto, o mentiroso. Isto não é muito estimulante para quem está a crescer e acho que devemos, enquanto adultos, ter a preocupação de passar um quadro de liberdade do que é a vida adulta. Devemos dizer que há o malandro, a vítima do malandro e depois a terceira hipótese, que é a da generalidade das pessoas. Acho que os adultos se vitimizam um bocado e desfrutam pouco para estar obcecados com o que não têm e isso passa às crianças.

Os pais que o procuram hoje são diferentes de há 30 anos?
Sabem mais coisas. Sempre foram mas hoje assumem-se mais como os primeiros cuidadores dos filhos e os médicos vão perdendo felizmente aquela arrogância, aquilo de se achar que os pais não sabiam nada e o doutor é que era o bom. Antes, se os pais fossem ignorantes, saíam tão ignorantes como quando tinham chegado ao consultório porque nada era explicado ou então os médicos usavam um jargão impressionante. É aquela velha história de dizer ao doente quem tem espondiloartrose e não bicos de papagaio. Espondiloartrose é mais solene e às vezes isto ainda acontece... A medicina evoluiu muito pouco neste sentido.


Os seus filhos mais novos já têm telemóvel?
Já, mas muito limitado – tanto que se esquecem dele. E não têm consolas.
Não pediram?
Pediram e eu disse que não, como disse aos Game Boy dos outros. Mas disse que não sem ser uma raiva cega. Simplesmente achei que seria altamente viciante. Qualquer jogo é viciante e com esse tipo de jogos apetece sempre mais um – seja para continuar a ganhar ou para recuperar da derrota. Sendo uma coisa tão limitada e que não exercita os cinco sentidos, achei que seria muito difícil controlar a fera e decidi que não.
Não pediram?
Cometeu alguns erros?
Sei que por vezes gritei quando não devia ter gritado e posso ter feito um charivari por coisas secundárias. Injustiças ao ponto de vista dos traumatizar creio que não, mesmo que possa ter sido injusto. Mas sempre que tive noção disso pedi desculpa.
E palmadas?
Quando eles eram miúdos – assim com um, dois ou três anos – e não entendiam muito bem a comunicação oral, às vezes usei o enxota moscas. Não tenho problemas nenhuns com isso. Acho que é muito diferente bater numa pessoa, numa criança, na cara – o que é atingir a pessoa – do que dar uma palmada na mão ou no rabo se a criança testa o limite e vai mexer em algo que estamos fartos de dizer que não é para mexer. É preciso mostrar que há limites e tem de haver limites em tudo na nossa vida.
Quais são os maiores erros dos pais?
Medo de educar, medo de traumatizar. Caricaturando, aquela coisa do “se educo agora ele depois ainda se mete na droga”. Não tem de ser nada assim. Na altura os filhos podem ficar abespinhados, mas mais tarde agradecem ter sido educados.
O sentimento de culpa de que falava não dificulta esse exercício?
Sim, mas de facto o triângulo pai-mãe e filho no vértice em baixo é para ser usado. As crianças precisam de sentir que há alguém que sabe navegar o barco se houver tempestade."
Alguns excertos da entrevista do pediatra Mário Cordeiro ao jornal i. 

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